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Pesquisa liderada por brasileiro usa bactérias do intestino para diagnosticar câncer

Atualizado: 11 de abr. de 2019

Essa população de inquilinos mudam de acordo com os hábitos alimentares e o estilo de vida de cada ser humano, por isso podem ser um indicador importante do nosso estado de saúde.


Nosso intestino é povoado por trilhões de micro-organismos, entre bactérias, fungos e vírus - a chamada microbiota intestinal.


Essa população de inquilinos que vive no nosso corpo tem uma variabilidade grande - as espécies mudam de acordo com os hábitos alimentares e o estilo de vida de cada ser humano. Justamente por isso, esses micro-organismos podem ser um indicador importante do nosso estado de saúde.

Uma pesquisa publicada nesta segunda-feira na revista Nature Medicine mapeou 16 bactérias da microbiota que estavam presentes em amostras fecais de pessoas de sete países e três continentes diferentes e que têm relação com o câncer colorretal, que atinge cerca de 36 mil brasileiros por ano e causa quase 17 mil mortes anualmente no país.


O estudo, conduzido por cientistas do A.C. Camargo Cancer Center, da Universidade de São Paulo e da Universidade de Trento, na Itália, abre caminho para o desenvolvimento de métodos para o diagnóstico precoce da doença.


Ajuda no diagnóstico


Atualmente, a principal forma de detecção do câncer colorretal é a pesquisa de sangue oculto nas fezes. Caso exames apontem a presença de pequenos sangramentos no intestino, isso pode servir de ponto de partida para uma investigação mais meticulosa por meio de uma colonoscopia, por exemplo.

Com a descoberta dos cientistas, por sua vez, a simples presença das bactérias, de seus genes ou metabólitos na amostra fecal já acenderia o sinal amarelo de que há algo errado com o paciente.

"Descobrimos que o microbioma é um forte preditor da doença", disse à BBC News Brasil Andrew Thomas, doutor em Bioinformática pela USP (Universidade de São Paulo) e um dos principais autores do estudo.


Foram avaliadas as bactérias e suas assinaturas metabólicas, ou seja, genes, metabólitos e tudo aquilo que é subproduto da atividade desses micro-organismos no nosso intestino.

Nesse sentido, Thomas destaca a presença nas amostras de pessoas com câncer de genes que codificam uma enzima microbiana presente em várias espécies de bactérias que degradam a colina, nutriente contido na carne e no ovo, por exemplo.

Essa enzima transforma a colina em trimetilamina (TMA) e, durante o processo, produz um metabólito já conhecidamente associado a doenças cardiovasculares como aterosclerose e ao câncer de cólon e reto.


Relação com alimentação


O biólogo destaca que ainda não foi estabelecida uma possível relação de causalidade entre a atividade das bactérias no organismo e o aparecimento das doenças, mas apenas uma correlação - sejam elas causa ou consequência, a presença dos micro-organismos e suas "pegadas" metabólicas são um indicativo da presença das patologias.


Uma pesquisa mais aprofundada nesse sentido pode esclarecer a natureza da relação entre alimentação e o desenvolvimento do câncer.


De qualquer forma, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) coloca o consumo de carnes processadas - como salsicha, mortadela e presunto - e a ingestão excessiva como carne vermelha - acima de 500 gramas de carne cozida por semana - como fatores que aumentam o risco para o câncer de intestino.

Também contribuem o sobrepeso e a dieta não saudável - pobre em frutas, vegetais e em alimentos ricos em fibras.


Na pesquisa divulgada hoje foram avaliados dados de 969 amostras fecais de pessoas com ou sem câncer de Alemanha, França, Itália, China, Japão, Canadá e Estados Unidos.


Ela faz parte do doutorado que Thomas concluiu em 2018. No Brasil, ele foi orientado pelo biólogo Emmanuel Dias-Neto, do Centro Internacional de Pesquisas (Cipe) no A.C. Camargo Cancer Center, e pelo engenheiro João Carlos Setubal, Professor de Bioquímica da USP.


Na Universidade de Trento, ele trabalhou com o bioinformata Nicola Segata.


Também especialista em bioinformática, Thomas usa técnicas computacionais - como o aprendizado de máquinas - para analisar bancos de dados biológicos que dificilmente seriam processados sem essas tecnologias.


Seu objetivo para o futuro é aprofundar o estudo para que a análise da microbiota permita a prevenção do câncer de cólon e reto, e não apenas a detecção precoce. Ou seja, para que a assinatura metabólica dos micro-organismos que colonizam o intestino permita a identificação em estágio inicial de pólipos - pequenas protuberâncias que podem evoluir e se tornarem tumores malignos.


"O câncer colorretal se desenvolve de forma lenta e silenciosa. Se a gente conseguir pegar os pólipos em estágio inicial, vai ser possível prevenir a doença."


Por Camilla Veras Mota - Da BBC News Brasil em São Paulo

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