O prof de Direito do Trabalho (PUC-SP), Paulo Sergio João, analisa quais os impactos legais como movimento “Quiet quitting” que prega trabalhar só o essencial e uma demissão discreta.
Os jornais têm noticiado um fenômeno observado pelo mercado de trabalho e que consiste num movimento de redefinição das relações de trabalho, em confronto com a cultura de alta performance.
Trata-se de comportamento localizado especialmente nas gerações Z e millennial e que, conforme dados do jornal, em março deste ano somaram 4,5 milhões de trabalhadores que pediram demissão nos Estados Unidos (great resignation).
A expressão significa ‘demitir-se silenciosamente’ ou ‘demissão discreta’, nome utilizado na rede social chinesa TikTok, que incentiva os trabalhadores a executarem o mínimo das suas obrigações contratuais a fim de priorizar o bem-estar e a saúde mental. Já aqui, constata-se o enfrentamento de valor do trabalho como prejudicial à qualidade de vida, afirmando que o trabalho não é sua vida e seu valor não pode ser determinado em relação à sua produtividade.
O quiet quitting não significa necessariamente o abandono do trabalho por meio de pedido de demissão. Trata-se de uma forma de se demitir sem abandono do trabalho, mas reduzindo as tarefas aos limites do que fora contratado, sem se envolver em dinâmicas de altas performances.
Segundo Maria Kordowicz, professora adjunta de comportamento das organizações da Universidade de Nottingham, o quiet quitting está ligado à insatisfação crescente no trabalho e ao Covid-19, cuja pandemia fez com que houvesse tomada de consciência da nossa própria mortalidade, com questionamentos relevantes quanto ao significado do trabalho realizado enquanto trabalhador e qual efetivamente seu valor.
A pergunta que se faz é para saber se esse movimento será capaz de transformar as relações trabalhistas e o Direito do Trabalho ou, ainda, qual o significado relevante que se poderia aprender com este movimento.
A primeira interpretação que fica é a de que se trata de um movimento que tende a transformar as relações trabalhistas pelo aspecto primordial do cuidado e da preservação da saúde mental, procurando limitar o tempo de trabalho equilibrando com os momentos de dedicação aos prazeres da vida fora do trabalho. Para os empregadores fica a obrigação de respeitar que o empregado contratado prestará trabalho nos limites do que foi contratado, sem horas suplementares.
Em segundo plano, coloca em questionamento os modelos tradicionais de competição interna nas empresas em busca de maior produtividade, muitas vezes causadores de doenças mentais decorrentes do chamado burnout.
Para o Direito do Trabalho, não parece produzir mudanças, a não ser reforçar e dar resguardo jurídico às iniciativas que procuram preservar a qualidade de vida e a dignidade da pessoa humana.
As empresas deverão se adaptar aos novos anseios dos trabalhadores e rever os padrões de produtividade até então baseados essencialmente na presença do local de trabalho, proporcionando melhores condições para atrair talentos e estabelecer regras claras inclusivas e que privilegiem a saúde mental dos trabalhadores.
A esperança que fica é de que esse fenômeno possa arrastar uma mudança de valor nas relações de trabalho, beneficiando com a qualidade de vida também aqueles trabalhadores que têm pouca ou nenhuma opção de escolha de praticar o quiet quitting e que disputam vagas de emprego para sua sobrevivência.
Por Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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